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Dias Vazios

Mais um dia vazio para viver

O sol já não brilha como antes

A lua agora é palco de figurantes

Como Sísifo quero o fim do meu sofrer


Minha velha mocidade já se esgotou

Amigos, amantes, inimigos, broxantes

O que eu vivi se afastou desse mundo

Para um lugar de almas imigrantes


Seja lá onde meu espírito encarnar

Desejo ser quem não pude ser

Alguém capaz de encarar o viver

Sem por tuas inconstantes desanimar

Sobre amor e seus limites

A palavra amor é bastante utilizada e disseminada pela sociedade e seus indivíduos que a constituem. Porém, pouco compreendida, vivida, compartilhada, presenciada. Amar, no seu infinitivo, é o sentimento mais divino e nobre que um ser humano pode viver em sua breve existência. Logo, o amar jamais poderá ser descrito ou explicado em palavras, mesmo que por mais belas e descritivas sejam, não conseguiriam dimensionar a essência universal desse sentimento. 
 
O amor é uma espécie de organismo fundamental para manutenção dos seres humanos e dos seus ecossistemas aqui na Terra, e consegue transcender, sem dúvida alguma, às órbitas do universo. É partir desse sentimento, que outros sentimentos se originam como uma reação em cadeia que ultrapassar os limites da razão e sua finitude, obtendo como produto final uma série de sentimentos como paz, fraternidade, companheirismo, mas um sentimento de gratidão incontestável e infinito em toda sua plenitude.  
 
Amor e gratidão deveriam ser sinônimos de tão próximos que são. Apesar de terem seus sentidos semânticos completamente distintos uma da outra, amor e gratidão são completamente complementares um ao outro, pois o amor vivenciado cotidianamente em toda sua dimensão, em que um indivíduo que acolhe e cuida independente das circunstâncias do outro. Mesmo reconhecendo todas suas imperfeições e falhas e amando incondicionalmente e de maneira inigualável o outro ser vivente, merece no mínimo receber do outro um sentimento de gratidão infinita. 
 
Em um período tão sombrio e ao mesmo tempo tão brutal pelo qual estamos passando - onde vidas foram e estão sendo extintas dia após dia abruptamente e discursos de ódio e intolerância disseminados de maneira inconsequente diariamente - o amor e a gratidão surgem como mecanismos de defesa e conforto para aqueles que perderam parentes e amigos.  O amor é tão inexplicável de um jeito, que mesmo após a partida de quem amamos, nos mantém conectados. Através da sua onipresença, somos capazes de romper barreiras e os todos os limites físicos conhecidos, ressignificando nossa existência. A morte de alguém que amamos realmente não significa nada perto do amor que sentimos por aquele ser que nos deixou em vida. 

A morte de alguém que amamos é nada mais que uma mudança de estado físico do amor, que se transforma em algo transcendental e se expande pelo universo. Logo, esse sentimento é imortal para quem guarda e acolhe para si. Portanto, a morte ou partida de alguém que amamos jamais pode ser associada à ideia de ruptura. Sentimentos sinceros jamais se rompem, eles se transformam em algo muito mais intenso. Afinal, “o amor verdadeiro nunca acaba’’, como diria o poeta Nelson Rodrigues. Pode ter sido algo significativo e relevante, mas que com certeza não foi amor, pois o amor não é produto de ciclos e surge naturalmente. 
 
O amor, de alguma maneira, aceita uma despedida ou um ‘até logo’. Ele apenas precisa ser transformado e cultivado para que assim surjam recordações e saudades infinitas. 

À Meia-Noite

Como costumeiramente, em disciplina, me resguardava aos embalos do sono em alguns minutos anteriores à meia-noite. Entretanto, no último dia de outono, resolvi pernoitar - apenas por mera rebeldia nostálgica, já que não me submetia a atos libertinos desde que saí da casa de meus falecidos pais no encerrar de uma adolescência tempestuosa.

Sob um olhar saudosista, deito-me sutilmente em minha cama - um verdadeiro conforto na rotina extenuante em que deparava ao afastar das portas do meu pacato lar -, aguardando, com ânsia atípica, a meia-noite; apreciando o despertar de um novo dia ou simbolizando o limiar para a desobediência juvenil. 

5 minutos.  Olho para o relógio na parede à frente da cama, aguardando a meia-noite. Quanta morosidade! Apesar da lerdeza, encho-me de vigor - antes proferido em minha ardente mocidade - ao deleitar-me com o saber que meu corpo estará desperto a meia-noite, no início da madrugada.

4 minutos ainda restantes. Com o dispersar de um vigor anterior proferido a um minuto atrás, agonia e aflição preenchem meu tão frágil e letárgico ser. Uma brasa incandescente embebe-se gradualmente em minha carne ao decorrer desses segundos de tribulação. Cheiro fétido de carne queimada se interioriza em minhas narinas. O tormento do tempo é avassalador.

Que dor! Anterior sensação de tormento e pungência à minha maculada carne se dissipa vagarosamente. Questiono minha existência: Por que sinto essa dor se meu corpo permanece imóvel em meu estóico leito?. Não há mais tempo para questionamentos débeis, é preciso aguardar a meia-noite.

3 minutos. 60 segundos de dor. Ô tão dolorosa meia-noite! Por que tardas a vir?! Por que é tão doloroso aguardar por ti? Dormência e apatia agora me encobrem como véu. Sucos morosos de cólera se capilarizam e permeiam minha rugosa pele. Minha carne , outrora larga e ardente, se estarrece e enrijece como as flores ao anoitecer. Pálpebras mais próximas do seu fechar. O tempo se funde com a lentidão e o meu corpo perde quase por completo sua ardência. 

2 minutos restantes. Meu corpo já letárgico ao passar do tempo alcança um estado mais neutro; minha respiração se estabiliza. Neutralidade de martírio. Por que me sujeitei a tamanha tortura de esperar a meia-noite? Em um momento, de entrega à ingenuidade, penso que anteriores sensações a minha tão frágil vida se extinguiram. 
Repentinamente, paralisia atinge meus membros como um projétil de guerra; enxaquecas infernais encobrem meu crânio. O que diabos está ocorrendo comigo? Seria um praga divina? Um castigo amargo de más ações em minhas antecedentes reencarnações? Meu corpo está tão estático quanto uma escultura de Michelangelo. Segundos passam e minha carne sobrecarregada de mordaças invisíveis. Por que me afliges tanto, tempo devastador?


1 minuto. Em um torpor infernal, meus músculos se destrincham e se alargam em uma hemiparesia prazerosa. Um odor de lavanda domina minhas narinas, pulverizando o almíscar salgado de suor frio expelido por meu corpo. Será que o inferno acabou? Uma sensação de leveza e plenitude predomina meu ser: meus dedos se movimentam com sutileza; meus membros se descontraem com prazer lívido; minha mente, outrora infiltrada por enxaquecas colossais, se rende ao prazer. 

Agora, pensamentos em flashes de momentos áureos da minha juventude se projetam com vivacidade. A primeira nota azul. As primeiras conquistas do esporte. A estranheza da puberdade. O primeiro beijo. O primeiro amor. A primeira detenção. A primeira transa. A formatura. O primeiro carro. O primeiro emprego. O primeiro filho. 

30 segundos para meia-noite. Minha carne se envaidece de juventude e de prazer. Um gozo luxurioso subjuga meu corpo em embriaguez orgasmática. Feridas se curam. Nós se desatam. A felicidade emana em minha tórrida e maculosa carne. Será que cheguei ao paraíso?

3, 2, 1 … O relógio alarma. Já é meia-noite. Meia-noite! Meu corpo desperto à meia-noite. 

Após uma miríade de sensações vividas, meu corpo, minha carne, meu espírito não sentem mais dor. Agora, meus membros se enrijecem e esfriam. Sinto que meu quarto está mais escuro que antes da meia-noite, mas minha visão embaça. Meus lábios perdem sua cor. Minhas narinas não cheiram. Meu peito silencia. Meu palpitar diminui. Meu corpo aninha-se em um berço de indolência. Será que era assim que me sentia quando jovem aguardara a meia-noite? Minhas pálpebras solenemente se fecham como flores no inverno. Minha carne se despedaça. Meu espírito enfraquece. Meu corpo exala o último sopro de vida. 

A Meia-noite. O despertar de um novo dia e o encerrar de um dia velho. Alfa e Ômega. O início e o fim. À meia-noite. Eterna meia-noite.

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